Caminhão desgovernado invadiu a missa campal e matou 12 pessoas
Era apenas mais uma comemoração da festa de Nossa Senhora da Conceição, na pacata cidade de Feira Grande, localizada no agreste alagoano. Mal sabiam as pessoas que participavam da celebração, que aquele 08 de dezembro de 2011, ficaria marcado como um triste capítulo da história do município. Há um ano, após a procissão, um caminhão desgovernado invadiu a missa campal, realizada na praça principal da cidade, e dizimou os sonhos de 12 pessoas, das quais cinco eram crianças.
No local, não há nada que lembre a tragédia, além do que possam contar as pessoas. “Não tiveram consideração nem de fazer uma homenagem”, lamenta Paulo Pereira de Lima, de 49 anos, pai da menina Paloma Rose Rodrigues Lima, de oito anos, uma das vítimas. Sentando na praça onde a filha atropelada, ele conta, com uma crueza impressionante, própria de quem viu a ordem da vida se inverter, que ela brincava com outras crianças no local quando foi atingida.
A mãe de Paloma, Roseli Rodrigues Santos Lima, demonstra ainda um sentimento de impotência, já que conseguiu salvar uma das filhas. “Eu estava assistindo a missa abraçada com a mais nova, quando o meu marido avisou que o caminhão vinha, eu só consegui salvar a caçula, não deu tempo de pegar a Paloma. Eu só vi o caminhão batendo nela”, relembra a professora.
Com as compras do mês e um brinquedo para a filha mais nova, ela fica com o olhar perdido para o local em que a filha foi atingida. Lá, não há flores nem monumentos. No lugar onde antes existia um banco, quebrado pelo impacto do caminhão, o que se vê é apenas areia. “Eu não sei nem como to conseguindo ficar aqui. Perdi meus pais, pensei que era a pior dor do mundo, mas não, a pior é perder um filho”, diz Roseli ao abraçar o marido.
“Ela era a menina mais prestativa do mundo. Sempre me chamam pra quebrar coco, aí, quando ela via que tinha muito ia lá e me ajudava do jeitinho dela”, se emociona o pai, ao lembrar-se da personalidade da filha, que cursava o 3º ano do Ensino Fundamental. Paloma ainda chegou a ser socorrida e encaminhada para a Unidade de Emergência do Agreste, em Arapiraca, mas não resistiu à operação no baço e morreu.
Filhos assistiram a morte do pai
“Quando avisaram o que tinha acontecido, eu nem acreditei. A gente só vê essas coisas na televisão. Nem tive tempo de chorar pelo meu irmão, fui ajudar as pessoas que estavam embaixo da areia”, conta Adailton dos Santos, de 34 anos, irmão de Jorge Silvestre, que morreu na hora ao ser atingido pelo caminhão.
O mototaxista lembra que a areia atingiu as pessoas que estavam próximas aos bancos da praça. “Apesar de ter perdido meu irmão, o bom foi que o caminhão veio do lado de cá”, diz apontando para o local do acidente. “Se tivesse ido pelo outro lado, a tragédia teria sido dez vezes pior porque teria atingido muito mais gente”, acrescenta.
Adailton diz que o irmão sempre participava da celebração. “Todo ano ele tava aqui no dia 08”. Jorge Silvestre estava com a mulher, Vera Lúcia dos Santos, e com os quatro filhos na missa. “Só deu tempo de ele empurrar a esposa e os filhos. Ele foi um herói; salvou os cinco”, conta, com uma conformidade de quem aprendeu a lidar com as perdas da vida.
O atropelamento
Assim como Paloma e Jorge, outras dez vidas também foram interrompidas abruptamente no início daquela noite. Desgovernado, o caminhão-caçamba, que carregava areia, invadiu a principal rua da cidade, por volta das 18h, e atropelou quem estava na frente. Com o impacto violento, duas pessoas morreram na hora. Após tombar, o veículo pegou fogo e atingiu outras vítimas, que estavam encobertas pela areia.
O tenente-coronel do Corpo de Bombeiros, Ananias André da Silva, responsável pela operação de resgate, afirmou, na época, que “três crianças morreram no local e dois homens foram arremessados a grande distância. Foi um acidente muito violento”, informou o militar.
No dia do acidente, foi divulgado que o motorista do caminhão, José Protásio Cadete, havia morrido carbonizado, porém, algumas pessoas viram quando ele pulou antes do caminhão atingir as pessoas. “Eu vi quando ele pulou. Ele abriu a porta e saltou, parecia coisa de filme. Com o aperreio, fugiu que ninguém viu”, afirmou o agricultor Paulo Pereira. Apesar das investigações da polícia, o condutor do caminhão continua foragido.
“Parecia uma guerra”
“Eu estava pregando o evangelho quando tudo aconteceu. Foi questão de segundos. Eu perdi a voz, entrei em desespero, perdi o controle e desmaiei”. O relato é de quem viu a tragédia do alto; o padre Marcelo Bastos estava em uma parte mais alta da praça e, por isso, quando o caminhão atingiu as pessoas, ele foi um dos primeiros a ver.
O sacerdote conta que as luzes da cidade se apagaram, imagens estavam aos pedaços espalhadas pelo chão, as pessoas não sabiam direito o que fazer, corriam à procura de familiares. “Parecia uma guerra”, diz Bastos, que um ano após o acidente também carrega cicatrizes. Ele perdeu uma tia e uma prima, Maria do Carmo Bispo e Rosineide Bispo.
A procissão continua
O padre Marcelo Bastos disse que a procissão vai continuar, porém, a missa não será realizada na praça central, a pedido dos familiares das pessoas que morreram. “Eles não querem relembrar a dor, até porque, o local continua o mesmo do ano passado, não tem nenhuma homenagem às vítimas”, disse o sacerdote. A missa será realizada na Igreja Matriz da cidade, onde ele considera “mais seguro”.
Com a decisão de continuar com a celebração, algumas medidas foram tomadas: as ruas próximas aos locais da procissão serão fechadas. “Só o Bispo, D. Antônio Muniz, que pediu para celebrar a missa, é quem vai ter acesso à cidade”, explicou o padre. Ele disse, ainda, que a prefeitura da cidade informou que vai reforçar o policiamento na cidade.
Para homenagear as vítimas, foi confeccionado um cartaz com as fotos, que ficará em uma das paredes da igreja. “Vai ficar lá para sempre lembrarmos de rezar por essas pessoas”, disse Marcelo Bastos.